Saturday, December 14, 2024

Mudanças

 Eu me mudei 10 vezes na minha vida.

A 1° mudança aconteceu e eu era bebê, pouco mais de 1 ano, mas foi uma mudança significativa para meus pais e o aperto no peito respingou na Mariana bebê.
A 2° mudança aconteceu quando eu tinha já 3/4 anos. Dessa eu lembro vividamente, lembro da gente empacotando as coisas, lembro do cheiro de casa vazia, do eco que minha voz fazia naquela sala que pra mim foi cenário de muitas aventuras. Lembro do caminhão "imenso" da mudança, lembro do Rogério, amigo da família que foi lá pra ajudar. Lembro de ter sentado no banco da frente do caminhão e daquele sentimento de recomeçar. Lembro do nó no estômago por deixar meus amigos daquela rua e minhas vizinhas que tanto cuidavam de mim quando minha mãe engravidou da Marina e entrou em depressão. Lembro que elas eram minhas mães por 1, 2 ou 3 dias porque minha mãe não queria estar comigo. Ninguém sabe que eu lembro disso mas eu lembro vividamente de muitos detalhes. A casa que ficava cheia nos aniversários, cheia de amigos do meu irmão, cheia de música e dança, cheia de vida. Ela ficou vazia e eu fiquei vazia.
É claro que na época não sabia expressar tudo quEu me mudei de casa de casa 10 vezes desde que nasci. O motivo? Falta de $ e a raiva ou orgulho que meu pai sente, mas gosto de pensar que ele só tentou fazer o melhor dele em todos os casos porque meu pai tem um coração bonito e ele não faria isso de propósito sabendo dos malefícios que poderia causar a família, em particular, a mim. Você já conversou com meu pai e conheceu um pouco da peça rara que ele é. Naquele dia foi a primeira vez que ele se abriu sobre essa parte da vida dele, pelo menos foi a única vez que eu estava presente pra ouvir os motivos dele de tantas mudanças.
As mudanças que me refiro agora não são só de casa. Tive que passar por mudança de classe social, de escola, de ala, de ambiente...E de outras coisas que nem me lembro direito mas todas foram muito significativas e eu senti a perda delas.
Essas mudanças de casa começaram a acontecer antes mesmo da Marina nascer, eu era uma bebê na 1° delas mas sei que foi significativo pros meus pais mudar daquela casa porque minha mãe registrou toda essa parte da minha vida e mesmo não lembrando vividamente, sei que esse
e acabei de expressar e só me dei conta dessas coisas mais tarde. Ao chegar na nova casa, que inclusive é a casa da minha avó, eu fiquei muito animada! Minha irmã estava chegando também e iria preencher o vazio que eu sentia, eu imaginava. Eu poderia ter minha família feliz e de quebra uma bonequinha humana pra cuidar, uma bebê reborn só pra mim.
É claro que não foi bem assim.
A mudança trouxe sentimentos novos para aquela casa. O ar era diferente. Meus pais estavam menos presentes pra mim. Eles pareciam preocupados demais e olhando pra trás eu reconheço que estavam preocupados mesmo. Meu pai tinha perdido o emprego e estava procurando uma renda nova, minha mãe iria parir uma criança que os médicos falaram que teria síndrome de Down e algumas complicações, ela estava se recuperando da depressão pré-parto. Teríamos que dividir aquela casa com mais 2 pessoas que logo se tornariam 3.
Lembra aquela casa onde fiz uma festa após meu chá missionário e a festa varou a noite? Era a casa dos meus tios, eles tinham recém construído aquela casa do 0 e gostavam de receber convidados então receberam bem a idéia de receber 40 pessoas desconhecidas pra eles mas já que eram amigos da Mari eles ficaram animados com a idéia.
Até eles construírem a casa dos sonhos eles moravam na minha avó também. De favor. Diferente de nós, que tínhamos que pagar. Minha tia estava grávida do meu primo naquela época e não preciso nem explicar o motivo dela estar muito estressada. Meu tio trabalhava como um maluco pra prover o necessário pra minha tia, ele era a personificação do estresse e isso incutiu diretamente na minha mãe de uma forma gradual então se tornou um inferno morar ali.
Nunca havia ouvido gritos de raiva vindos da minha mãe e nem do meu pai mas lembro nitidamente que esses gritos se tornaram parte do meu dia a dia depois que minha irmã nasceu. Minha ansiedade começou aí.
Não vou me prolongar tanto mas outra coisa que me influenciou muito foi o ambiente que aquela casa estava inserida. Era dentro da favela. Eu comecei a ouvir os meninos na rua falando muitos palavrões e prestava bastante atenção neles, eu ouvia muito funk, toda noite eu ouvia muitos gritos da igreja que ficava de frente pra nossa casa e após um período eu comecei a estudar em creches locais com muita influência do ambiente. Me tornei uma mini cria de favela.
Após alguns anos do nascimento da minha irmã a minha mãe começou a trabalhar em uma pizzaria enquanto meu pai trabalhava fora mas como toda família pobre, ela não tinha dinheiro pra contratar uma babá.
Era eu e minha irmã "no quarto mais alto da torre mais alta". Minha mãe ensinou:
- Se alguém se machucar você liga pra esse número > 1 93. Não abra o portão pra ninguém. Dê o leite da sua irmã em tal horário, se ela tiver fome dê comida.
E iam buscar o sustento da família. Eu tinha 5 anos e minha irmã tinha 2. O tempo passava diferente quando éramos crianças então durou uma eternidade ficar sozinha com minha irmã até o dia que eu tive minha 1° crise de pânico porque minha irmã não parava de chorar... E depois de sentir o desespero eu comecei a gritar, chorar e andar pela casa desesperada. A vizinhança inteira ouviu e descobriu que 2 menores de idade ficavam sozinhas.
Meus pais foram notificados do ocorrido e tcharãaaam. A era uma babá quase perfeita começou. Minha mãe pegou 2 irmãs que eram nossas vizinhas, ambas menores de idade, pagava uns trocados pra elas e pronto. Nossas babás: Lara e a irmã dela. Eu amava! Elas eram divertidas, não lembro nitidamente mas lembro do alívio que eu senti por não precisar ser responsável por tudo. Não lembro o motivo mas as irmãs pararam de cuidar de nós. Alerta nova babá: a fumante. Eu não lembro o nome dela mas sei quem é se eu ver hoje, ela ficou um tempinho cuidando de nós, não lembro de minha interação com ela, não lembro de muitas coisas, na real mas lembro que ela fumava muito e mesmo que fosse o mais longe possível de nós a casa ficava com um cheiro esquisito. Eu não curtia muito essa parte. Não lembro de nenhuma babá depois dela. Lembro da minha mãe! Ela começou a ficar em casa denovo cuidava do Gustavo, meu primo que nasceu 3 meses depois da Marina. Minha mãe fazia o melhor que podia. Ela era minha super heroína! Meu pai começou a ganhar bastante dinheiro, pagou as aulas de motorista e comprou um carro. Não precisava mais ir pra escola de perua, minha mãe que levava nós pra escola, a Marina começou a estudar comigo. Minha mãe era a mãe legal, era divertido andar de carro com o som alto e a toda velocidade. Conhece Velozes e Furiosos? Minha mãe se inspirava no Dominic Toretto toda vez que pegava no volante.
Meu gosto musical se formou naquele carro.
Ela começou a levar o Gustavo e mais 2 meninas também. O nosso carro virou a perua. Eu tinha meus 6/7 anos e vivi esses anos sendo mais feliz, lendo muito, construindo memórias boas apesar dos pesares mas quem não tem pesares. Eu me sentia melhor.

A infância é a parte mais importante da vida de um ser humano... (Continuar)

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